quarta-feira, 20 de julho de 2011

Culto à felicidade


We see thousands of people going after standards of pre-conceived happiness and therefore impossible to be reached.

Um assunto recorrente que emerge tanto no atendimento clínico, nos eventos realizados pelo Projeto Instigar, como também nas discussões sociais é a questão do “culto à felicidade“.

Não me refiro aqui ao saudável desejo de ser feliz, mas sim à uma exacerbação que distorce este desejo genuíno transformando-o em um velado imperativo de aceitação social, independente dos custos subjetivos exigidos.

Se por um lado observamos legiões de pessoas engajadas em uma busca frenética por padrões de felicidade idealizados – e portanto, impossíveis de serem atingidos. Por outro lado, talvez em função da dificuldade de se lidar com a dor, pessoas sustentam artificialmente máscaras de felicidade pelos mais diversos meios… inclusive através de medicação (leia o artigo “Uso indiscriminado de remédios tarja preta”)

Será que isto nos transforma em uma sociedade mentirosa?

Nos espaços para discussão que abro nas palestras e workshops que realizo, seguidamente escuto como queixa que muitos que, por um motivo ou outro, não estão em nenhum destes grupos, sentem-se rejeitados quando manifestam suas tristezas. Em alguns casos, sentem-se até mesmo culpados por não estarem alegres.

Analisando a questão pela psicanálise, constatamos que para o ser humano sempre está faltando algo - quase como um vazio originário que alimenta uma fonte inesgotável de angústia. Penso que uma das questões fundamentais para se compreender o que sustenta este “culto à felicidade” é investigar como cada pessoa lida com este vazio e com esta angústia, que nos acompanham no decorrer da vida.

Em 1930 Sigmund Freud publicou um de seus mais importantes textos: “O Mal Estar na Civilização“, de onde cito dois pequenos trechos:

“Os homens lutam pela felicidade. Esta busca tem dois lados: almejar evitar a dor e o desprazer, e experimentar fortes sensações de prazer.“

“Nossas possibilidades de felicidade sempre são restringidas por nossa própria constituição. Já a infelicidade é muito menos difícil de experimentar. O sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens. O sofrimento que provém dessa última fonte talvez nos seja mais penoso do que qualquer outro.”

A associação destes ingredientes básicos com uma aparente falta de questionamento crítico e de auto-conhecimento, ou mesmo pelo desejo de fugir da realidade, parece apontar para uma potencialmente perigosa fórmula que fisga muitas pessoas nas mais diversas promessas de atingir a plena felicidade.

Aprisionados na ilusão de que tais promessas finalmente aplacarão a falta que sentem e a angústia gerada desta, estes sujeitos permanecem em um movimento contínuo de perseguir a conquista dos representantes desta imagem de felicidade: seja o carro do ano, o corpo perfeito, a bebida viril, o “gadget da vez”, o cosmético milagroso, a pílula mágica, etc… Porém, como nenhum deles dá conta, e inventivas novidades são lançadas com frequencia, novos “desejos são forjados” constantemente. Mesmo as pessoas que não estão submetidos à isto, são cobradas indiretamente pelos seus pares a se engajar neste movimento, alimentando e sustentando assim o dito “culto à felicidade”.

Mas será que somente quando conquistarmos tudo isto é que realmente seremos felizes?

Como você percebe as consequencias deste “culto à felicidade” na sua vida e na vida das pessoas com quem você convive?

Na esteira desta mesma ilusão, eventualmente a imagem de plena felicidade é: personificada em um “par amoroso perfeito”, algumas vezes no mito “felizes para sempre“, na imagem de familia perfeita, ou mesmo projetada no objetivo de ser bem sucedido no trabalho. Porém a medida que ocorrem as frustrações inerentes ao relacionamento com outros seres humanos, surgem mágoas e acusações de que “o outro” é o culpado pela sua infelicidade, ou que o outro não é a pessoa ideal para acompanha-lo na sua luta pela felicidade.

Penso que somente quando as pessoas abrirem espaço para acolher e processar todos os seus sentimentos (inclusive as tristezas, angústias e o vazio que nos acompanha); e quando se questionarem profundamente sobre os conceitos que hoje tem sobre a busca da felicidade, separando de forma clara:

a.quais são as idealizações que construíram no decorrer da sua vida,
b.quais são as ilusões que foram se deixando envolver,
c.quais são os mitos construídos pelos grupos em que estão inseridos,
d.para finalmente voltar a perceber e se reconectar com os seus desejos genuínos…
…é que terão a capacidade de apreciar e valorizar os verdadeiros momentos de felicidade que provavelmente já vivem no seu dia a dia (apesar de nem sempre estarem atentos a isto).

Finalizo este artigo compartilhando com vocês um simpático cartoon e a opinião de alguns leitores do Projeto Instigar que gentilmente responderam a uma pesquisa sobre o “culto à felicidade”. Se você desejar, compartilhe a sua opinião também.


Cuide-se!

Débora Andrade

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